[Artigo] Um roteiro pelas estradas da Zona Rural

Por André Luis Mansur

Na década de 1920, começam a ser construídas as primeiras grandes estradas de rodagem do Brasil, como a Rio-São Paulo, embora o Brasil ainda estivesse longe de possuir uma indústria automobilística e, muito menos, de produzir “carros populares”. Ter um automóvel era para quem podia gastar bem, não só pelo valor do veículo em si, como também pelo custo das peças de manutenção.

Na virada para os anos 1930, os longos passeios de carro, principalmente nos fins de semana, passam a fazer parte do lazer de muita gente abonada, geralmente com direito a piqueniques. Foi pensando nisso que o jornal “A Noite”, em sua edição de 29 de setembro de 1930, preparou um mapa com um passeio indicado para os “automobilistas” (como se chamavam os donos de automóveis) que atravessava boa parte dos subúrbios cariocas, uma região ainda bastante impregnada de aspectos da vida rural da cidade que na época era a capital do Brasil. “É dos mais longos que oferece o Distrito Federal. Mas é também dos mais pitorescos, pois permite conhecer toda a zona suburbana e parte da rural, até Sepetiba”. (A Noite, 29/9/1930)

O percurso todo tinha 127km e não havia ainda os postos como conhecemos hoje, mas apenas bombas de gasolina. Começava no Largo do Campinho, no bairro de mesmo nome, seguindo pela então Estrada Rio-São Paulo até Realengo, onde se atravessava a linha de trem, passando para o “outro lado”, esta expressão que todo morador de bairro atravessado pela linha do trem sempre usa muito. Logo em seguida, o “automobilista” seguia pelas estradas da Água Branca e do Engenho até o Largo do Mendanha, em Campo Grande, aos pés da Serra do Mendanha. Daí em diante, o roteiro indicava a estrada do Mendanha e depois a do Marapicu, subindo até o Pico do Marapicu, já nos limites com a cidade de Nova Iguaçu.

Depois de aproveitarem bem a vista lá de cima, é hora de descer e seguir pelas estradas do Pedregoso, Mendanha e Ubá, até chegar ao Aterrado de Santa Cruz, passando pelo Largo do Curral Falso e seguindo pela Estrada de Sepetiba até a Baía de Sepetiba, ainda com as águas limpas e sempre atraindo uma grande quantidade de turistas. É hora de descer um pouco do automóvel, passear pelo belo litoral, fazer um piquenique e tirar fotos.

O roteiro preparado pelo jornal prossegue pelo Campo do Colégio e vai pela Estrada da Pedra, até chegar à Pedra de Guaratiba, outro belo cenário banhado pela Baía de Sepetiba, onde provavelmente o motorista e seus convidados aproveitam para dar mais algum passeio a pé e comer frutos do mar, o que, até hoje, é uma forte característica dos muitos restaurantes do Polo Gastronômico do bairro. “Daí, pela Estrada do Aterrado do Saco, até a Fazenda Agrícola da Prefeitura, ruma-se pela Estrada de Guaratiba, até a Estrada da Cachoeira, por onde se vai até a captação das águas do Rio da Prata”. (A Noite, 29/9/1930)

O roteiro indica a volta pela Estrada do Joary, em Campo Grande (atual rua Olinda Ellis), e depois segue para o Largo do Campinho, onde tudo começou. Um roteiro que, se for feito hoje, vai gerar muito mais estresse do que prazer, tal a imensa quantidade de veículos que irão atravancar o caminho do automobilista do passado, os riscos de assalto, a quantidade bem menor de árvores pelo caminho e muito maior de moradias, sem contar a poluição da Baía de Sepetiba. Afinal, nestes mais de 90 anos do roteiro criado pelo jornal, o tal do “progresso” se instalou, definitivamente, na antiga Zona Rural do Rio de Janeiro.

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