Por André Luis Mansur
No mês de maio de 1917, uma notícia correu os trilhos do ramal de Santa Cruz da Estrada de Ferro e se espalhou pelas conversas, principalmente entre Campo Grande e Santa Cruz, onde aconteceram os seus principais episódios. No dia 18 de maio, gritos de socorro vindos de um trem parado na estação de Santa Cruz chamaram a atenção de todos os que passavam por ali: o maquinista Luiz Thomas Dias, que vinha da estação do Matadouro (hoje desativada), chorava e gritava muito. O dinheiro que ele recebera na estação do Matadouro, para ser entregue na Tesouraria da Central do Brasil, acabara de ser roubado: 10 contos e 755 réis, uma quantia vultosa e que estava guardada em dois envelopes. O ladrão usou uma chave falsa para abrir o cofre, que tinha meio metro de altura por meio metro de largura, enquanto o maquinista estava na agência da estação.
O roubo aconteceu um pouco antes das 10h da manhã. O cofre estava no carro de primeira classe do trem S.S. 24, onde já se encontrava um policial, além do agente da estação de Santa Cruz, o senhor Lobo Viana, que procurava saber detalhes do ocorrido com o maquinista, que não parava de se lamentar:
“Sou um infeliz e sempre primei por querer demonstrar ver o meu caráter impoluto, mas a desgraça me acompanha, porque eu sempre viajo junto do cofre, receoso de ser vítima dos ladrões que perambulam impunemente aqui no Rio, mas nos poucos minutos que gastei, para ir receber o dinheiro da féria da sua estação, foi suficiente para que os gatunos levassem a efeito o roubo que acabo de verificar” (“A Razão”, 19 de maio de 1917).
O roubo foi comunicado à delegacia do 27º Distrito. O comissário Figueiredo, acompanhado de praças e de mais dois comissários, chegou ao local. Os policiais interrogaram os passageiros e revistaram pessoas consideradas suspeitas por eles, como o guarda-freios do trem, Benedicto Carvalho, e o passageiro Hernani Moura Caldas, que estava visivelmente espantado, segundo os policiais. Foi dado um aviso às delegacias ao longo de todo o ramal e o trem, finalmente, seguiu para a Central do Brasil, com o mesmo maquinista, “que chorava como um inconsolável” (“A Razão”, 19 de maio de 1917). O diretor da Central, Aguiar Moreira, abriu um inquérito administrativo. Além do furto no cofre, houve também um assalto no trem. A vítima foi o caixeiro-viajante Manoel Barreiros, da Casa Zeferino de Oliveira, que perdeu 35 mil réis para o ladrão.
A partir deste momento, o rumo dessa história seguiu para o bairro de Campo Grande, onde o Comissário Geminiano Lebre começou a fazer diligências e prendeu “os conhecidos jogadores desocupados e ladrões”: José Araújo e José Primo Teixeira, que teriam descido, na estação de Campo Grande, de um trem vindo de Santa Cruz. Os dois Josés, segundo o Comissário, eram “refinados jogadores que durante a viagem nos trens de carga organizam banca de jogo e que não têm profissão lícita” (“A Razão”, 19 de maio de 1917).
A verdade é que, mesmo com várias diligências feitas pela polícia em Campo Grande, Santa Cruz e bairros vizinhos, e também com vários interrogatórios, o roubo do trem na estação do Matadouro nunca foi solucionado. Aos poucos, por falta de provas, os considerados suspeitos pelos policiais tiveram que ser soltos. O próprio José Primo Teixeira, quase um mês depois, foi solto pelo major Bandeira de Melo. O suspeito desmentiu os policiais e disse que não havia embarcado no trem em Santa Cruz no fatídico dia do roubo e, sim, em Cascadura, às 9 horas da manhã, tendo descido em Campo Grande. E que foi preso enquanto aguardava o bonde que iria para a Pedra de Guaratiba.
O pobre do maquinista (ou “condutor”, como era usado na época), não se perdoou pelo que ocorreu e tentou suicídio, sendo contido pelos colegas. O jornal “A Razão”, que acompanhou toda essa história, que foi o principal assunto naqueles bairros da então Zona Rural do Rio de Janeiro, resumiu tudo da seguinte forma:
“O inquérito prossegue e…o dinheiro está sendo gasto por quem o furtou”. (“A Razão”, 14 de junho de 1917)
Legenda: Apesar de as fotos dos jornais da época não serem de boa qualidade, é importante divulgar a imagem da prisão dos considerados suspeitos pela polícia (“A Razão”, 20 de maio de 1917)