[Artigo] A lavoura em Campo Grande

Por André Luis Mansur

Se no passado a agricultura foi o forte da região da Freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande, no século XX o já agora bairro de Campo Grande manteve essa tradição. Na década de 20, por exemplo, quando a produção de laranjas começou a se expandir, para se transformar, nas décadas seguintes, numa das suas principais atividades econômicas, o bairro se beneficiou bastante do Serviço de Fomento Agrícola, uma série de incentivos à agricultura lançada pelo Governo Federal através do decreto de 26 de maio de 1920.

O Fomento Agrícola era dirigido por Arthur Torres Filho e se espalhou pelas Inspetorias Agrícolas dos estados da Federação. Seu principal objetivo era “difundir os conhecimentos técnicos, eis a finalidade essencial do Fomento, por isso que o melhoramento das condições de trabalho na Agricultura empolga a atenção da administração por seus órgãos competentes, e tem-se verificado nos últimos tempos um interesse sempre crescente para facilitar o uso das máquinas agrícolas”. (Vida Doméstica, novembro de 1929)

Naquela década, já seriam criados mais de 500 campos organizados para o Fomento Agrícola, em mais de 400 municípios espalhados pelo Brasil. Outra atividade do Fomento era a produção de sementes selecionadas e, neste caso, de muito interesse para os laranjais de Campo Grande, com “estudos experimentais, tendo em vista principalmente o exame de nossas variedades de frutas cítricas, de acordo com as exigências dos mercados consumidores”. (Vida Doméstica, novembro de 1929)

Se a agricultura se expandia, também surgiam as cooperativas e associações, tanto entre os produtores, como entre os lavradores. Neste caso, com a criação do Sindicato Beneficente dos Lavradores Unidos de Campo Grande, em 1926. A posse da diretoria do sindicato era uma grande festa de confraternização, com a presença de comissões de várias associações agrícolas do Rio de Janeiro, que na época era Distrito Federal.

No dia 20 de agosto de 1933, por exemplo, quando foi empossado o novo presidente do sindicato, Tibúrcio Esteves de Faria, além de uma nova diretoria, houve uma grande festa, com banda de música e a presença de figuras importantes do meio agrícola, como Mileto Coutinho, da Inspetoria de Matas e Jardins, Arruda Câmara, secretário da Sociedade Nacional de Agricultura e presidente da Federação Agrícola do Distrito Federal, e Pinheiro Machado, representando o capitão Uchôa Cavalcante, diretor do Abastecimento Municipal.

O discurso do novo presidente abordou temas que ainda parecem bem atuais nos dias de hoje. “São seus desígnios dotar o Distrito Federal de uma escola de agricultura, na qual os filhos dos lavradores bebam os ensinamentos necessários para tirar da terra o que a terra dá se for bem trabalhada. Outro ponto abordado foi o trabalho da Federação de combate ao grileiro que infesta o Distrito Federal”. (A Nação, 22/8/1933)       

Mas a união de lavradores em associações e sindicatos nem sempre foi uma realidade na Zona Rural do Rio de Janeiro. No passado, havia conflitos e desavenças entre eles, inclusive rixas entre lavradores brasileiros e portugueses. Em 1917, antes do início do Ciclo da Laranja, houve um grande conflito “em um botequim no lugar denominado Palmares, na estação de Campo Grande”, quando estavam “vários lavradores a beber e a troçar” (A Razão, 16/6/1917). Cypriano de Oliveira, brasileiro, e Manoel Alves, português, brigaram feio, com prejuízo maior para o português, que saiu bastante machucado.        

Manoel, então, como se voltasse ao tempo dos conflitos entre brasileiros e portugueses na fase anterior à abdicação de D. Pedro I, em 1831, reuniu vários lavradores portugueses “para correrem daquela localidade todos os lavradores brasileiros, porque foi agredido por um e porque os lavradores brasileiros vendiam as suas mercadorias por menores preços, o que os prejudica grandemente”. (A Razão, 16/6/1917)        

Os portugueses, em número de 20, começaram a invadir as casas dos lavradores brasileiros, a começar pela de Cypriano, que foi agredido, assim como seus familiares, e teve seus móveis destruídos. Os brasileiros, assim que foram informados da confusão, partiram para o revide e “momentos depois, estavam empenhados em luta cerca de cinquenta homens. Nessa ocasião, ficaram feridos vários lavradores de ambos os grupos. A polícia do 25º distrito, tendo conhecimento do fato, seguiu para o local representada nas pessoas do delegado dr. Coelho Gomes e dos comissários Geminiano, Ferreira e praças da polícia”. (A Razão, 16/6/1917)    

Vários lavradores foram presos e os feridos levados para a Assistência. Os mais graves acabaram encaminhados para a Santa Casa da Misericórdia, no centro da cidade. E pensar que aquele foi um ano importante para a História de Campo Grande, com a eletrificação da linha de bondes e a chegada da iluminação elétrica no centro do bairro, fato este representado por um monumento na praça Dom João Esberard, em frente à Igreja do Desterro.

Fotos:
– Vista de laranjal do Dr. Antônio Cavalcanti de Albuquerque, da variedade “pera”, em Campo Grande, Distrito Federal (Vida Doméstica, novembro de 1929)
– Aspectos colhidos durante a sessão solene, no Sindicato B. dos Lavradores Unidos, de Campo Grande (A Nação, 22/8/1933)

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