Cidade grande

Lei de 1968 que ‘transformou’ Campo Grande em cidade – e jamais foi realmente posta em prática ou revogada – inspira exercício de comparação entre o nosso bairro e outras áreas do Rio e do estado. A conclusão: recebemos muito menos do poder público do que merecemos pelo nosso peso

Bem-vindo à cidade de Campo Grande”, poderia estampar uma placa qualquer ali na Coronel Agostinho, na entrada do Calçadão. Se alguém se aventurasse a instalá-la, não estaria cometendo nenhuma ilegalidade. Uma normativa de 1968 jamais revogada deu mesmo à região um status diferenciado. Sancionada em 14 de junho daquele ano pelo então governador do extinto Estado da Guanabara Negrão de Lima, a lei 1.627 é curtinha, tem só dois artigos. No primeiro, reconhece a nova “cidade”. No segundo, revoga as disposições em contrário. E mais não diz. Não é de se estranhar, portanto, que nunca tenha tido efeito prático – até porque os conceitos de cidade e município (este, sim, uma unidade emancipada com estrutura administrativa própria) só passaram a significar a mesma coisa na lei brasileira 30 anos depois, a partir da Constituição de 1988.

Campo Grande cidade é só uma distinção, uma homenagem. Ou, quem sabe?, mais uma tentativa do então deputado e militar Frederico Trotta, autor da lei, de ter um feudo para chamar de seu. É que, anos antes da “elevação” do nosso bairro, Trotta havia sido governador biônico do efêmero Território Federal do Iguaçu, uma manchinha separada do Oeste do Paraná e do Oeste de Santa Catarina que ganhou “vida própria” por só três anos durante a ditadura de Getúlio Vargas e acabou extinta pela Constituição de 1946.

“Naquele tempo (anos 1960), Campo Grande e a Zona Oeste estavam recebendo um grande número de migrantes, pessoas transferidas de comunidades. Esses conjuntos recebiam com frequência o nome de ‘cidades’. Daí Cidade de Deus, por exemplo. É possível que esse título fosse algo pró-forma, honorífico, criado para valorizar o local que se expandia e passava a representar um polo de atração de indústrias, famílias, que se integrava efetivamente à cidade formal”, diz à SUCESSO o historiador Milton Teixeira, para quem havia preocupação de dar status a uma zona até então agrária e erma. “Conjuntos habitacionais tinham figuras análogas à administração municipal, como prefeitos. Daí, talvez, a designação. Difícil saber, até porque o processo jamais se concretizou.”

Num período de decisões opacas e nada democráticas – não se esqueça de que falamos de uma lei promulgada num momento particularmente duro da ditadura militar –, é mesmo difícil imaginar a intenção exata da designação de Campo Grande como cidade. O mesmo caso – ou melhor, o extremo oposto dele – também se deu em outro estado brasileiro e também durante um período sem democracia. Em 1932, durante a Revolução Constitucionalista, o então independente município de Santo Amaro, na Grande São Paulo, foi obrigado a se incorporar à capital paulista, e seus 640 quilômetros quadrados (mais de cinco vezes a área de Campo Grande) foram fatiados e distribuídos pela metrópole, abrigando o que hoje são bairros humildes, como Capão Redondo e Jardim Ângela, e nobres, como Itaim Bibi.

No caso paulista, essa “incorporação”, segundo historiadores, pode ter relação com a crescente importância do então município de Santo Amaro naquele momento, que se industrializava rapidamente – e, de fato, tornou-se a área com a maior concentração de indústrias e geração de riquezas da capital por muitas décadas. Razão similar para o Rio “não largar o osso” de Campo Grande é cogitada por especialistas na história da nossa região. “Só não viramos cidade realmente por questões políticas. Campo Grande é um dos bairros que mais arrecadam impostos para o município. Se isso virar uma cidade, como muita gente gostaria que fosse, a prefeitura teria um desfalque muito grande nos seus cofres”, pondera Mauro Portugal, administrador da página Antigo Campo Grande na internet.

Assim somos nós

Para mostrar o peso que a cidade de Campo Grande teria no Estado do Rio caso fosse um município, apresentamos dados de população, economia e infraestrutura. Se, inspirados pelo nosso tamanho e nosso peso, você mesmo assim não se animar a gritar “independência!”, pelo menos poderá cobrar melhor das autoridades a atenção que merecemos.

População

Éramos 328 mil habitantes em 2010, pelo Censo do IBGE, o que já nos tornava o bairro mais populoso do Rio. Aplicada a estimativa de crescimento médio da capital de 2,5% desde então, chegamos a 2015 com algo como 340 mil. Se fôssemos uma cidade, seríamos a nona do estado, atrás só de Rio, São Gonçalo, Caxias, Nova Iguaçu, Niterói, Campos e Belford Roxo.

Área total

Os 119,12 quilômetros quadrados do nosso bairro o tornam o terceiro maior da cidade, atrás somente de Guaratiba (139,5 km²) e Santa Cruz (125 km²), nas contas do Instituto Pereira Passos (IPP), órgão da prefeitura. Com área superior a 10% do total do Rio, Campo Grande seria o 77º maior município do estado, de um total de 93, à frente de Belford Roxo, Nilópolis, São João de Meriti e Búzios, por exemplo.

Economia e desenvolvimento

Estima-se que o ICMS arrecadado no nosso bairro seja da ordem de R$ 1 bilhão anuais. O estado todo arrecadou R$ 34 bilhões em 2015. Na capital, só perdemos para Centro, Botafogo, Zona Portuária, Barra e Santa Cruz. Se aplicássemos a lógica do ICMS ao conjunto das riquezas geradas, o PIB do nosso bairro atingiria algo como R$ 18 bilhões, o que nos colocaria no sexto lugar estadual, atrás de Rio, Campos, Caxias, Niterói e Macaé e à frente de São Gonçalo e Nova Iguaçu, cidades maiores que nosso bairro. Nosso consumo de energia elétrica residencial, de 333 mil MW/h  em 2014, só é menor que o da Barra. O consumo industrial (325 mil MW/h por ano) só perde para Santa Cruz. Mas o gasto público com iluminação pública (apenas 94 MW/h ao ano, 16º maior da cidade) mostra que a prefeitura gasta bem mais para iluminar os postes de áreas como Glória, Pilares e Manguinhos. O IDH do bairro (0,810 em 2000, única vez que se calculou esse índice) é considerado alto. Dos 126 bairros do Rio, ficamos em 82º lugar.

Áreas verdes

Mais de 20 quilômetros quadrados são áreas de proteção ambiental, diz o IPP. Essa zona verde equivale aos tamanhos totais de Copacabana, Leme, Botafogo, Lagoa, Ipanema e Leblon somados. Mas já foi muito mais. Estima-se que, em 1916, 98% dos quase 120 quilômetros quadrados hoje ocupados por Campo Grande eram floresta.

Escolas

Maior população, maior número de escolas, certo? Nada disso. Com oito creches municipais, somos apenas o sexto bairro com mais unidades do gênero (atrás de Santa Cruz, Bangu, Tijuca e Paciência). Pelo menos em número de escolas lideramos com folga: são 64 municipais.

Estações de trem e ônibus expressos

O terceiro maior bairro da cidade tem em seus limites só duas estações de trem (Augusto de Vasconcelos e Campo Grande). Já a Tijuca, com menos de 10% do nosso território e metade da nossa população, tem três estações de trem em zonas próximas (Praça da Bandeira, São Cristóvão e Maracanã) e nada menos que quatro de metrô. No BRT Transoeste, oito estações estão em Campo Grande. Em Santa Cruz são 12. E, na Barra, com 40% da nossa área, são 18.

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