Longa jornada manhã adentro

Uma viagem no horário de pico num dos ônibus do BRT Transoeste, uma aventura imprevisível que quase 200 mil passageiros enfrentam todos os dias

O relógio marcava exatas 6h56 quando soou a mensagem. Eu esperava, no ponto próximo à minha casa, na Estrada do Magarça, o 855 ou o 879, dois dos ônibus alimentadores que, todos os dias, cospem centenas, milhares de pessoas nos corredores expressos do sistema BRT em direção ao Centro, à Barra ou a outras zonas distantes onde estão os empregos. Chequei o celular, e minha mãe pedia que eu tivesse cuidado, pois já havia tumulto àquela hora na estação Magarça, à qual eu me dirigia. A Magarça é uma das 55 estações do sistema de 56 quilômetros Transoeste, o primeiro inaugurado, em junho de 2012, ligando Santa Cruz ao terminal Alvorada, na Barra, e passando por Campo Grande, Guaratiba e Recreio dos Bandeirantes. Ao todo, quase 200 mil passageiros usam o corredor todos os dias, desenhado para melhorar o fluxo de pessoas na “zona olímpica” da cidade e já totalmente sufocado.

Ali no ponto inicial ninguém se mexia quando passavam ônibus comuns a caminho da estação do BRT. O motivo? Só os alimentadores permitem integração com o ônibus expresso e uma terceira linha de continuação de trajeto sem cobrança extra no Riocard. João Henrique Garcia, um dos passageiros ao meu lado no ponto, trabalha no Leblon e mora no Magarça. Com frequência, leva duas horas e meia para chegar ao trabalho. “Costumo esperar o alimentador por 15 a 20 minutos, e muitas vezes ele vem cheio, mas preciso usá-lo, senão tenho que pagar a mais”, lamentava.

Depois de 17 minutos de conversa, vi o alimentador chegando – ou melhor, os alimentadores, dois seguidos, sinal de que a demora até a próxima rodada de espera seria longa. Peguei o primeiro, o 855, razoavelmente vazio, e me alegrei pela sorte de ir sentada. Ao entrar no Jardim Maravilha, porém, o número de paradas aumentou, e o veículo, antes com espaço para respirar, encheu-se rapidamente. Em pé ao meu lado, Maria da Penha Ribeiro, de 51 anos, resumiu seu drama. Com dores crônicas na coluna, teve de deixar de trabalhar por dois dias na semana, para não enfrentar os superlotados BRTs: “Infelizmente, é a única opção que eu tenho.”

Já na estação Magarça, às 7h27, deparei-me com inúmeras filas que se misturavam. Perdida e sem localizar fiscais, perguntei a passageiros onde deveria me posicionar para embarcar em  direção ao Alvorada. Depois de me explicar, Joyce Souza, de 46 anos, contou que, apesar de ter chegado às 7h15 à estação, só entraria no trabalho às 10h: “Prefiro esperar e ir sentada. Eles tinham que colocar mais ônibus, principalmente o direto, que sai a cada 15 minutos. Ontem saí do trabalho às 22h e só consegui deixar o Alvorada às 23h.”

No fim da fila, vi como grupos numerosos de passageiros corriam e se atropelavam para entrar nos ônibus, já apinhados, que chegavam. Vi-me empurrada e, literalmente, jogada por pessoas que pareciam aflitas. Perto de mim, Elaine da Silva, de 36 anos, não demonstrava muita surpresa com o grande tumulto. “Todo o dia é a mesma coisa”, suspirava, enquanto gritos interromperam a nossa conversa. Uma jovem havia caído da plataforma durante um embarque particularmente problemático. O ônibus já ia saindo. “Foi de propósito! Ele me empurrou de propósito”, queixava-se. A jovem era Jaddy de Castro, de 26 anos, que estava tentando chegar ao trabalho, na Península. Com uma perna ralada, ofegante e assustada, ela recebia o suporte de alguns funcionários e passageiros enquanto o policial encarregado da segurança do lugar continuava sentado na entrada, lendo algo no celular. “Todo dia é assim, mas já tivemos dias piores. Não adianta, eles não respeitam ninguém”, conformou-se Jaddy, enquanto um grupo novo e ruidoso já se embolava à espera do carro seguinte.

De repente, nova correria. Era o último ônibus direto em direção ao Alvorada. Disposta a pegá-lo, lutei para me misturar ao bolo humano. Dois tropeços e um grito de ‘cuidado’ de um dos funcionários depois, consegui entrar. Esmagada até que todos conseguissem ao menos colocar os pés no chão, tentava me segurar. Mesmo com o meu tamanho médio, vi-me realmente suspensa no ar. Eram 7h51.

Quando o ônibus finalmente deu a partida, e pensei que a situação fosse melhorar, notei que o ar-condicionado não dava vazão. Tive um pequeno ataque de claustrofobia. Um pouco zonza e com o estômago girando, tentei conversar com dois homens, cada um de um lado, que reclamavam da má qualidade do asfalto e da “segurança seletiva” – ou seja, da presença maior de vigias nas estações da Barra. Era o que dizia Bruno Oliveira, de 37 anos.

Apesar de preferir o BRT para chegar ao trabalho, na Tijuca, o metalúrgico dizia que a frota era muito fraca e reclamava de pagar por um serviço com pouquíssimo conforto. Ainda sobre pagar, Bruno comentou sobre as vezes em que, no seu terceiro ônibus, mesmo tendo antes enfrentado o temido alimentador, foi vítima de “erro no sistema” e precisou desembolsar uma segunda viagem: “Acho desonesto! E, se você liga para a ouvidoria, não dão atenção nem, muito menos, a resposta que você procura”, protestou.

Do meu outro lado, Renato Paulino, de 24 anos, comentou com ar nostálgico como “no início era bom”. Ele se referia ao padrão de serviço na época da implantação do corredor Transoeste, há menos de quatro anos. Desde então, a queda na qualidade é dramática, como observou. “Não teve planejamento, a frota não foi suficiente para a demanda. Hoje, eles precisam diminuir os intervalos e investir na manutenção dos ônibus. Muitos estão completamente sucateados”, pontuou o assistente de engenharia.

Chegada ao Terminal Alvorada | Foto: Rita de Cássia Costa

Chegada ao Terminal Alvorada | Foto: Rita de Cássia Costa

Chegando ao destino final, o terminal Alvorada, depois de 40 minutos, percebi que, apesar de todos os percalços, aquele era meu dia de sorte: não caí, o ônibus não bateu ou quebrou, e ninguém saiu dali hospitalizado, diferentemente do que alguns dos passageiros de todos os dias contavam. Desembarquei, e meu primeiro pensamento foi: “Ufa, estou a salvo!”. Pelo menos até a hora de iniciar a jornada de volta para casa.

Outro lado

Confrontada com os inúmeros problemas relatados pela repórter Rita de Cássia Costa, a Secretaria municipal de Transportes (SMTR), responsável pelo planejamento e pela regulação do sistema, enviou algumas respostas.

“A SMTR monitora o cumprimento da frota determinada por GPS, e os dados mostram que a circulação das linhas 855 e 879 está dentro da normalidade. A SMTR ressalta que podem ocorrer intervalos acima do normal por conta do trânsito na região. No entanto, a secretaria fará pesquisa de demanda para avaliar o aumento de frota. Sobre a condição dos ônibus, a SMTR notificou o consórcio Santa Cruz, responsável pela operação das duas linhas, para melhorar a conservação dos veículos.

“Existe um projeto de melhoria do BRT Transoeste que compreende as seguintes medidas: ampliação estrutural da estação Magarça; construção de terminais para as linhas alimentadoras junto à estação Mato Alto; ampliação do Terminal de Santa Cruz, com mais posições para ônibus e mais espaço para os passageiros; e criação do novo terminal Curral Falso. As medidas têm como objetivo garantir mais conforto para os passageiros e devem aumentar a capacidade.

“A secretaria ressalta ainda que a frota de ônibus articulados está sendo incrementada com a aquisição de 158 novos veículos, por conta da inauguração do trecho Lote Zero do BRT Transoeste, prevista para o segundo semestre deste ano.”

Sobre as queixas de falta de segurança nas estações, a secretaria disse apenas que a vigilância é responsabilidade do Consórcio BRT, que opera o sistema. E, em relação à cobrança indevida relatada por Bruno Oliveira, a recomendação foi o contato com o canal de atendimento da prefeitura 1746, o mesmo que o passageiro diz ter acionado sem que o problema fosse solucionado.

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